segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Eu te Controlo, Tu me Controlas

Filhos e pais se comunicam o dia todo, invadem a vida uns dos outros e, portanto não têm privacidade
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Fatos bem estranhos começam a fazer parte de nosso estilo de vida.
Pais contratam detetives para averiguar se o filho está ou não envolvido com drogas. Escolas colocam câmeras em quase todo o seu espaço, para que os alunos possam ser observados pela internet. E, principalmente, o telefone celular tem sido usado para controlar a vida de filhos, namorados, cônjuges.
O celular, hoje, é quase como uma extensão do corpo de muita gente. Jovens não conseguem viver longe dele, crianças já passam a se valer desse aparelho com regularidade e adultos o usam sem a menor parcimônia.
O problema é que o tipo de uso que estamos fazendo dessa tecnologia tem estragado muitos relacionamentos.
Quando os pais estão trabalhando, por exemplo, muitas vezes são interrompidos pelos filhos que querem saber o que comer quando chegam em casa, como resolver um problema na escola, a que horas o trabalho vai terminar.
Do mesmo modo, inclusive quando o filho está na escola, muitos pais ligam querendo saber como as coisas estão indo, se o filho comeu o lanche, se tem companhia na hora do intervalo.
A separação entre pais e filhos em alguns períodos do dia, que permitiria a cada um cuidar da própria vida, está comprometida.
Filhos e pais se comunicam o dia todo, invadem a vida uns dos outros, controlam horários, atividades, companhia, compromissos e, portanto, não têm privacidade. Não é à toa que se esgotam nesses relacionamentos.
E o que dizer, então, dos casais, seja um casal de adolescentes, que ensaiam seus primeiros passos nesse encontro afetivo com o outro, seja de jovens, que experimentam um relacionamento duradouro, ou daqueles que já estabeleceram um compromisso de vida juntos?
Uma adolescente me escreveu contando que sempre adorou usar o celular, porque gosta de falar com as amigas o tempo todo.
Agora que está namorando, sua vida virou um inferno segundo suas próprias palavras. É que o namorado quer saber, pelo celular, cada passo que ela dá. Isso gera brigas porque, inclusive, ele reclama quando ela fala muito tempo com outra pessoa no aparelho.
E adivinhe, caro leitor, qual a dúvida dela. Ela quer ajuda para decidir se termina o namoro ou deixa de usar o celular! Construímos um dilema contemporâneo dessa maneira, não é verdade?
Nesse mesmo tom, muitos casais controlam a vida um do outro. Quando um deles faz um programa sozinho como sair com amigos, jantar com colegas de trabalho, fatos naturais na vida de qualquer um, agora precisa passar todo o roteiro ao seu par, em tempo real. Quem está junto, a que horas chegou em casa, qual o caminho que fez, onde está. Que relacionamento sobrevive a isso?
Controlar a vida dos filhos os ensina a também controlar a vida dos outros. E quem consegue viver controlado o tempo todo? Ninguém, a não ser que não tenha autonomia, não ame a liberdade, não preze a vida própria.
Quem se relaciona com o outro de modo possessivo ou permite ser objeto de posse do outro não consegue sustentar tal relacionamento por muito tempo.
O telefone celular pode contribuir para o desenvolvimento de muitas competências pessoais, estreitar relacionamentos. Vamos escolher usar de um modo que, em vez disso tudo, vai prejudicar os relacionamentos que tentamos manter vivos? É uma escolha muito insensata, não é?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (Publifolha)

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